SOBRE A PROPOSTA DE UM OBSERVATÓRIO DE ESTÉTICA E ESPAÇO SOCIAL
A presente proposta de um
Observatório de Estética e espaço
social, vale-se de experiências já realizadas por alguns teóricos da Estética
na Itália. Esta proposta apresenta, porém, uma diferença, pois articula as
pesquisas e atividades deste à questão do espaço social, considerado aqui na
sua abrangência e manifestações, ou seja, desde o que se relaciona com a crise
dos liames sociais às mudanças que afetam o estatuto antropológico do
indivíduo, mas ainda problemas relativos aos comportamentos, estilos de vida, patrimônio
paisagístico e outros. Para a observação e diagnóstico dos problemas que afetam
o espaço social, toma-se como base e pressuposto os rumos assumidos pela
Estética na atualidade, ou seja, de não mais ser considerada no sentido
tradicional de disciplina acadêmica isolada, ou ainda como Filosofia das
belas-artes. Nesta proposta, a Estética se articula a outros saberes
relacionados não só às Ciências Humanas, e se integra a um conjunto de
disciplinas não necessariamente associadas à finalidade tradicional da Estética,
ou com interesse específico no estético, conforme se concebeu por longo tempo.
Na atualidade, a noção de Estética se amplia assim como a de estético, na
medida em que está em questão a cultura e as suas expressões, mas também as
atividades que lhe estão associadas. Certamente este empreendimento não pode
ser compreendido sem um conhecimento da nova configuração do espaço social e de
seus sintomas, mas, igualmente, sem uma teoria capaz de interpretar e diagnosticar
os danos que hoje causados a conservação dos liames sociais e a convivência. O
Observatório representa outra possibilidade, não só de atividade apenas
teórica, mas também prática, isto é, de contribuir, em parceria com estudiosos
pertencentes a Cursos diferentes, para a abordagem de temas e questões afins,
pertencentes ao espaço social e à esfera da realidade cotidiana.Nesse sentido, a
presente proposta de um OBSERVATÓRIO DE ESTÉTICA E ESPAÇO SOCIAL para o Curso
de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará, em parceria com outros Cursos,
exige, de início, um excurso nas reflexões atuais de alguns teóricos da
Estética, a fim de uma apresentação da situação relativa aos rumos atuais desse
saber e de uma compreensão do diagnóstico realizado hoje por alguns pensadores,
comprometidos e dedicados em defender a presença e relevância não só teórica,
mas também prática, da Estética na sociedade contemporânea. A
Estética parece pretender, hoje, abarcar um universo mais amplo de experiências,
de objetos, de expressões, de temas, e parece, igualmente, expressar muitas
coisas além do seu sentido tradicional, ou seja, de pensar o “belo” ou a “arte”.
O
OBSERVATÓRIO representa, igualmente, a necessidade do contato com Institutos
vinculados a grandes Centros de pesquisa e de estudos de Estética, como aqueles
já solidificados na Itália, os quais apresentam hoje grande produção nesse
universo de estudos. Esses estudos expressam uma multiplicidade de objetos e
temas associados na contemporaneidade à Estética. Por conseguinte, há uma tarefa
importante para um OBSEVATÓRIO DE ESTÉTICA, quer em relação com o conhecimento
de novos conteúdos advindos da Estética e de outros saberes, sobretudo,
humanistas, quer de novas metodologias necessárias à investigação de novos
temas e de outras esferas da experiência cultural e social, ainda não
consideradas ou exploradas com base na pesquisa estética.
Certamente,
esta proposta de criação de um OBSERVATÓRIO integra trabalho teórico e
histórico, mas também empírico, na medida em que a sua atividade se amplia para
o espaço social, no sentido de destaque de alguns fenômenos e acontecimentos
culturais e sociais relevantes em relação à pesquisa no domínio da Estética. Por
conseguinte, não há aqui um limitado empenho pedagógico no sentido de mais um
espaço de sala de estudo, pois o sentido pedagógico, presente nesta proposta,
se amplia quando considerada a relação com outras disciplinas e com o espaço
social tomado, quer na sua cotidianidade quer como orientação conceitual ampla.
Nesses aspectos o liame com outras disciplinas contribuem para integrar certa
perspectiva de pesquisa e elaboração de uma específica perspectiva teórica.
Há,
aqui, certa distinção neste projeto de OBSERVATÓRIO DE ESTÉTICA, pois o elemento espaço social expressa
uma particularidade em relação a outras propostas já realizadas em outras
Instituições, em especial na Itália, no universo da Estética. Por conseguinte,
este projeto reconhece ser preciso o diálogo com as Ciências Humanas, ou seja,
uma preocupação no sentido epistêmico amplo, mas, ao mesmo tempo, sabe da
necessidade de se articular a Estética à esfera da experiência cotidiana, esta
última considerada como expressão primária da experiência estética, e solo no
qual se apreendem as manifestações imediatas que configuram um dado lugar de
vivência cultural. Tal experiência é decisiva na configuração desta intenção de
fundação do OBSERVATÓRIO, pois permite justificar também a sua relevância, a
fim de contribuir com novos espaços para o estudo e à pesquisa.
Contudo, não se tenciona aqui falar de uma
disposição teórica da obra de Pasolini. Mais do que uma simples disposição ou
exemplo teórico, interessa destacar a realização de uma obra, ou de sua obra,
como fruto de certa compreensão de realidade e de suas mudanças. Por
conseguinte, trata-se mais de enfatizar a sua disposição em buscar interpretar
as causas daquilo que “desapareceu”, ou seja, um mundo e seu ethos, e aquilo que não mais se sustenta
em virtude do caráter do novo, do vazio deixado, mas também os novos valores e
dispositivos possíveis para uma análise e diagnóstico do presente. Portanto, a
pressuposição de tal exemplum implica
em certificar a possibilidade de se pensar a problemática que motiva, ao mesmo
tempo, a criação de um OBSERVATÓRIO. Pasolini articulou as suas observações
estéticas com base no espaço social e no seu ethos: algo que contribui para a elaboração de um direcionamento da
concepção das atividades no interior desta intenção de OBSERVATÓRIO, pois
antecipa algumas intuições e impressões relevantes, hoje, no âmbito de alguns
estudos e pesquisas.
A
Itália dos anos setenta apresenta um exemplo importante de interpretação das
mudanças antropológicas e culturais visíveis na cotidianidade da sociedade
contemporânea. Trata-se, aqui, dos últimos escritos de Pier Paolo Pasolini
(1923-1975) reunidos sob os títulos de Scritti
Corsari e Lettere Luterane e de seu último romance Petrolio. Em tais escritos
estão reunidas inúmeras impressões e análises de seu autor acerca da nova
feição assumida pela realidade após o processo de modernização italiano. São
artigos que descrevem os novos aspectos dessa realidade no espaço social e na
vida cotidiana dos indivíduos, identificando sintomas de degenerescência e
crise de antigos valores culturais, hábitos e costumes, que orientavam outrora
as relações entre os indivíduos e alimentavam os liames e práticas sociais.
Considera-se a obra de Pasolini e a sua experiência de antropólogo espontâneo
como exemplum fundamental da ideia
que motiva e orienta a elaboração deste projeto.
A
atividade de Pasolini articula experiência prática, arte e pensamento. Nessa
articulação se encontram a sensibilidade do indivíduo particular, a do poeta e
do pensador na busca de compreensão dos signos da realidade em sua época, e de
suas expressões mais amplas: social, cultural, literária, artística,
linguística, antropológica, econômica, política, metapsicológica. Para tanto
Pasolini enveredou por uma orientação abrangente de conhecimento. Ele já
identificara a insuficiência dos modelos teóricos tradicionais, inclusive
sociológicos, e de certo marxismo, ou seja, aquele gramsciano, após o
capitalismo avançado. Pasolini compreendera o significa horrendo da crise das
grandes ideologias, ou seja, o fim das “belas bandeiras” [belle bandiere], e buscou assim uma articulação mais ampla no
interior das Ciências humanas.
Há, portanto, um olhar atento de Pasolini ante
as transformações ocorridas na realidade e a consciência da necessidade de
compreensão dos novos procedimentos para se interpretar a especificidade da
novidade que se apresentara no seu presente. Daí o seu interesse filológico,
antropológico, filosófico, linguístico, estético, histórico, literário,
poético, jornalístico, artístico. Isso explica o seu excurso por várias teorias
e procedimentos, na busca de novos recursos para compreensão do sentido ou da
sua crise no universo cotidiano das relações sociais contemporâneas. Tratava-se
também da crise de certa visão de mundo e de referenciais culturais que também
lhe afetavam. Tal procedimento pode ser claramente identificado nos seus
últimos escritos e intervenções relativas às questões enfrentadas ao longo de
sua produção.
São questões que abrangem um universo
antropológico, cultural e social amplo, pois se reportam a problemas
pertencentes à urbe, na medida em que
abarcam desde a paisagem, as consequências urbanísticas, ecológicas e
ambientais, decorrentes da exploração imobiliária, mas também o patrimônio
urbanístico e paisagístico, os costumes e hábitos, as linguagens, os
comportamentos, os estilos e modos de vida, os media e as suas influências sobre os comportamentos e o consumo, os
novos valores morais e estéticos, a cofiguração do corpo e seus aspectos
socioculturais, a expressividade e a sua crise, a sexualidade e suas
manifestações, o poder e suas formas, a política, a religião e o sagrado, a
arte e suas expressões, a nova mentalidade e o laicismo, a permissividade e a
falsa tolerância, as juventudes, as subculturas juvenis, os movimentos sociais
e a crise, as concessões, as conquistas e direitos sociais, são alguns dos
temas relevantes da preocupação pasoliniana e de seu olhar também estético e
antropológico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário